Piques
- evandro melo
- 26 de mai.
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Antes de PIX ser uma forma de pagamento e um meme (faz o Piiiix), era um lugar de segurança para as brincadeiras de rua, como o pega-pega. Encostar no piques (que a gente falava pix) era estar seguro e ninguém poderia te pegar enquanto você ali estivesse. Nas minhas brincadeiras, o piques geralmente era uma árvore, que funcionava como um portal mágico.
Esse mecanismo é também observado em nossas vidas, como uma forma de busca para alivio da tensão, do conflito e das angústias diárias que nos afligem.
Um exemplo pessoal. Minha filha pequena, 2 anos, começou na escolinha esse ano. Os primeiros dias foram de puro deslumbre. Ela nem olhava pra trás. Só ia.
Mas na segunda semana, ela deve ter percebido que havia uma nova rotina sendo estabelecida. E, "ei, peraí, vou ficar sem meus pais todos os dias?” Veio então o medo, também impulsionado pelo choro inseguro de outras crianças e pais que chegavam ali.
E ela logo procurava o piques dela. Meu pescoço, ou da mamãe. Se abraçava forte e pedia para ‘nanar’. Não era sono, ela acabara de acordar. Era insegurança, medo, tensão, angústia. E, ela buscava se ancorar em um ponto seguro.
Temos, naturalmente, uma aversão a riscos, ao desconhecido, a mudanças. Com maior ou menor intensidade a depender da situação. Mas fato é que, qualquer situação de tensão ativa mecanismos de defesa do nosso ego, que como disse, tem a tendencia natural em permanecer no conhecido.
Esses mecanismos de defesa do ego, como bem desenvolveu Freud (o pai e a filha Anna), são uma espécie de piques. Opa, situação nova que me coloca em exposição?! Ativo uma defesa, busco um ponto seguro e me ancoro ali.
A racionalização, justificar ações de forma lógica e aceitável a nós mesmos, é um tipo. A negação, repressão, deslocamento, são outros exemplos.
São diferentes e múltiplos os tipos de piques. Muito além da árvore ou do poste como na minha brincadeira de criança.
Vícios em geral, bebida, compras, celular, jogo. Comida é outro relativamente comum. Pessoas que se refugiam em comer, e muitas vezes comem muito, estão em busca de refúgio, buscando seu piques, em algo que represente conforto e segurança, que é o ato comer. O problema é quando isso é feito de forma inconsciente, e se torna compulsivo e obsessivo.
Tem piques cujo objeto é mais direto, e, ainda assim, difíceis de serem percebidos conscientemente. Há outros, então, não tão diretos, muito mais complexos.
Sabe aquele amigo do seu primo (🙄) que diminui a experiência dos outros? Nada que o outro faz é legal ou faz sentido? Então, o piques dele é sua própria experiência empobrecida, e ver pessoas sendo livres e experimentando mais, o incomoda. Parece mais fácil empobrecer a experiência do outro a enriquecer sua própria. Nisso entram dogmas, julgamentos morais, intolerância religiosa
E voltando para minha nostalgia, me lembro que embora não houvesse uma regra explícita de quantidade de tempo que se podia estar a salvo no piques, as crianças não permaneciam ali por muito tempo, logo soltavam a mão e corriam. O piques era útil, para um breve descanso, mas o divertido mesmo estava em correr, e correr riscos.
A vida as vezes nos pede um descanso, e por que não? Mas o melhor da vida acontece mesmo é quando saímos dessa ponto fixo e aceitamos os riscos.
Conhece algum outro exemplo de piques?
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